segunda-feira, 26 de maio de 2014

Pra falar de saudade não precisa de um título

Toda vez que sinto cheiro de jaca madura lembro da minha infância, lembro com saudosismo. Não tem muito sentido isso, lá em casa não tem jaqueira, nem na dos meus avós, nem de ninguém. O fato é que a saudade é positiva, simboliza para mim o carinho da recordação.

É talvez semelhante a uma manhã de trabalho, quando acordo às pressas e corro de casa sem sequer comer alguma coisa. Entro no carro, dou a partida, engato a marcha e sigo. Quando paro no sinal lembro do iogurte de ameixa que deixei na geladeira. Saudade para mim é quase isso, só que mais gostoso que iogurte de ameixa.

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Quem Traçava As Cartas Na Mesa Era Ela


Madame Rer não era caricata como eu imaginava, muito bonita por sinal, mas transparecia que a cada movimento no baralho do tarô acumulava para si minha sorte e me oferecia em troca o azar. A cigana não dava um pio e seus olhos castanhos claros não negavam a maré ruim.

- Veja bem querido, passará por algo impactante e que te fará rever alguns conceitos seus jamais intocados.




segunda-feira, 8 de outubro de 2012

O Céu Já Caiu Agora

– Pai, vou sair de casa - foi por essa frase que morri.

Era noite de chuva e o céu estava alaranjado, quase cor-de-rosa, como não se via em meia década por aqui. Até parece que São Pedro previa a tormenta na superfície também.



terça-feira, 12 de junho de 2012

Vagaroso

Sempre me pega desprevenido no pensamento. Anda leve, quase flutua. Na cabeça a companhia de um eterno arco-íris, não passa por nenhum espelho sem antes seduzi-lo. Para ser mais bonita bastava sorrir mais. Em seu cangote o terreno perfeito pra minha casa. Venha me abduzir Joana do Arco.

sábado, 9 de junho de 2012

Se Todos Fossem Rabujos Não Haveriam Pimentas

Entrou aos passos calculados, compenetrado, como se estivesse numa missão não humanitária, parecia ter um objetivo claro em sua mente e que iria concluí-lo em breve, a qualquer momento. Entretanto esse era um engano recorrente dos olhos que viam de passagem. Andava assim sem esforço, na verdade um hábito natural que aprendeu na adolescência. Achava sofisticado demonstrar indiferença até que um dia, de fato, tornou-se um alheio sentindo o ar da integridade e do bom censo, como se tivesse o espírito capaz de condenar os outros ao céu ou ao inferno sem cometer injustiças. Rabujo Soares não era tímido, nem desinibido, nem louco, nem pacato, nem sossegado, nem atormentado, mas tinha inveja. Inveja de voar como voa Elias Prudente, um velho conhecido dos tempos da Bahia.



sexta-feira, 1 de junho de 2012

A Saudade Que Arranha

“Quando bate aquela saudade, é porque a coisa está ruim”.



Com esse pensamento Ribamar Franco encerra a vida útil desta quinta-feira. Um dia pálido, só trabalho, com a cartela sagrada de Sominex vazia, sem paciência, sem um livro, sem cigarro, sem cerveja e agora, sem juízo. Deitou e levantou vinte e sete vezes antes de lembrar que não havia tomado banho. Despiu-se, contou os sinais do corpo para ter certeza de que todos ainda estavam em seu devido lugar e verificou a temperatura da água com o braço direito, sem certeza ainda que encararia o frio dessa noite de inverno.

quinta-feira, 1 de março de 2012

Tonho Tristonho

Não que fosse um ser genuinamente deprimido, na verdade, de tudo que havia em sua volta, era o mais espirituoso. O que ocorre é que Tonho Tristonho nasceu com uma maldição: tudo em que ele encosta torna-se triste, inclusive as pessoas. Às vezes rapidamente, às vezes de um modo mais lento, não há especificamente uma lógica nessa metamorfose, apenas o fato de que virá. Ao ligar o rádio, repentinamente as canções tornavam-se mais alcoolizadas, com uma melodia boêmia natural dos poetas mortos pela tuberculose, ou solidão.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Pernambucana

Da pele clara, dos cabelos claros e olhos escuros, um fruto da mistura do sangue holandês nas terras do cacique do litoral do Recife. Uma dançarina desritmada de um frevo rasgado, que agita a cabeleira timidamente e mexe a saia rodada exibindo o cordãozinho de nós no tornozelo direito, um troféu das batalhas do coração que leva consigo dia e noite à altura do calcanhar. Não sabe odiar ninguém, mas tem medo de parecer com alguém. Não existe sol maldoso que insista em colorir de tom avermelhado a epiderme para queimá-la, apenas para apimentar um pouco mais sua presença, não existe lua insossa que aos seus olhos esconda coelhinhos orelhudos nas crateras da sua crosta, seja qual for das sessenta e quatro luas jupterianas.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Pavio do Destino

As semanas seguiam terríveis para Armando, afinal de contas naturalmente ficou intimidado com todo aquele ensaio da cigana Julieta e sua alma passou a enxergar tudo a sua volta com lentes que filtravam o receio e a desconfiança, um novo prisma cheio de austeridade. Para quem recusava as informações das palmas de suas mãos, Armando se mostrou ser um crente fervoroso, assumidamente fiel à ideia de que aquela seria a sua realidade.


quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Não É Só Mais Um Conto de Natal (Parte 1)

Caminhava em passos longos, olhando para todos os lados inclusive para trás. Foi assim durante toda a última semana de dezembro, mas de nada adiantou.



 
Os ciganos acabaram de chegar à cidade, como era de costume no final dos anos. Previam o futuro e havia apresentações de animais exóticos e até alguns espetáculos circenses em troca de dinheiro ou qualquer objeto de valor.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Cem Anos de Solidão

Dona Lalinha não sabia mais o que fazer. Elias Prudente nunca deixava as coisas no lugar certo, trocava tudo de posição. Lá em seu pensionato, naquela semana depois que Elias e Selena confirmaram o romance, notou que ele estava com a cabeça a mil, todo confuso com as coisas ao seu redor e confundindo tudo mais ainda. Não sabia que espécie de delírio era aquele e nem como abordar o jovem para tomar caso da situação, pois realmente naquele pensionato estava tudo de ponta cabeça.

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Aquela Moça


Um guarda-chuva laranja no céu prateado, e o sol escondido dentre as nuvens a lhe vigiar. Era assim por onde passava e sua presença não permitia outro assunto. Para quê tanta lindeza num ser só? Cada vez que aparecia renovava as desilusões de Elias Prudente, que desde que saíra da república soteropolitana aprendeu a conviver consigo mesmo num pensionato barato, alternando e integrando os desafios de sua mente maliciosa e gentil ao mesmo tempo, sempre invocado como aquela presença o atraía.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

O Primeiro Dia De Elias Prudente

Enfim chegou o outono, a estação preferida de Elias Prudente, que de prudente mesmo só tinha o sobrenome. Nem fria, nem quente, nem colorida, apenas bela como a tristeza.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Verão de 2008

Observador detalhista e matuto que é, às vezes deparava-se com pessoas e seus movimentos, gestos, faces, vozes, roupas e as julgava. Imediatamente julgava. Por mais que o bom senso seja contrário a esse tipo de atitude, Nelson vê apenas ironia. Não se pode ir contra a natureza humana, e essa natureza é falha. O bom senso representa apenas o que os humanos querem demonstrar o que são e não o que de fato são. Ele é honesto o bastante para admitir isso.

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Sangue Latino

Duas coisas provocam em mim bastante nostalgia. A primeira é o barulho da locomotiva passando nas madrugadas em direção à capital, a segunda é o latido dos cães ao anoitecer. Ambas recordam minha infância, o tempo que havia sonhos e esperanças. Hoje não mais.